Seja lá como você veja o momento que estamos vivendo: com certeza, nós temos concordância de que os tempos mudaram e, com eles, as formas de enxergar a sociedade e como vivenciamos nossa experiência em coletividade.
Agora nos resta, como jovens mulheres, em especial as organizadas no Partido das Trabalhadoras, estarmos preparadas para disputar a parte que nos cabe na construção de uma sociedade mais inclusiva e participativa.
O feminismo, compreendido pelo PT por meio da interseccionalidade, perpassa pela compreensão da importância do ativismo negro para romper com o racismo que estrutura nossa sociedade, pelo entendimento das situações que nos atravessam de diferentes maneiras, pelo respeito aos povos originários, o respeito à diversidade sexual, pelo desenvolvimento sustentável, o fim de valores limitantes que levam ao constrangimento e reforçam estereótipos machistas – como a lógica do homem firme e detentor de todo o poder sobre as feminilidades.
A relação do ser humano com a natureza precisa ser repensada, afinal de contas, o modelo capitalista não sustentável chegou a um colapso. Pode parecer o apocalipse, mas as mudanças climáticas, as grandes catástrofes naturais, pandemias que modificam toda a organização de uma sociedade globalmente interligada tem um culpado conhecido: O homem!
Nos entender, não enquanto ser único, mas como parte de uma sociedade plural e diversa, apresenta uma perspectiva mais ampla de relacionamento, fazendo com que estejamos avançando como parte de um todo e não somente pautados em nossas experiências individuais. No entanto, com uma população feminina superior a 52%, o Brasil está distante de ser um país que valoriza igualitariamente homens e mulheres.
Contudo, esse cenário vem mudando.
Em 2013, iniciamos um período muito delicado no país: manifestações convocadas por meio de redes sociais, sem coordenação identificada, trouxeram ao Brasil uma série de protestos que levaram às ruas pautas confusas e acenderam na população um sentimento anti político.
Perigoso e antidemocrático, o discurso adotado por um setor mais conservador e apoiado por grandes empresas veio a balançar as eleições de 2014, ocasião em que Dilma Rousseff seria reeleita ultrapassando por uma pequena margem o seu opositor, o ex-senador mineiro Aécio Neves (PSDB).
Dilma venceu as eleições, mas pouco ou nada pôde governar. Em 2015, teve o pedido de impeachment levado à discussão para o Congresso Nacional e, sem qualquer crime previsto em leis brasileiras, foi vítima de um golpe, consolidado em 2016. Esse recorte histórico nos diria o tamanho do desafio que teríamos pela frente e o quanto nosso país retrocederia em busca de um salvador, no lugar de um bom político.
Em abril de 2016, o Congresso votou favorável ao impeachment e afastou Dilma Rousseff do cargo de presidenta da república. No segundo semestre do mesmo ano, iniciou-se a primavera secundarista, momento em que a maior parte das escolas de ensino fundamental e médio do Brasil foram ocupadas pelos estudantes que reivindicavam a anulação da PEC 241 (proposta que congela os gastos públicos por 20 anos para vários serviços, inclusive a educação), a saída de Michel Temer (vice presidente que assumiu durante o processo de consolidação do impeachment) e o retorno imediato de Dilma à presidência.
Para muitos jovens que integraram as ocupações, essa foi uma abertura e a primeira experiência na militância estudantil. Participar de assembleias, de atos, elaborar frases de efeito, dialogar com os pais sobre projetos de futuro, jornalistas, políticos, professores, assumir diferentes funções no cotidiano da ocupação foram ações que Dilma não foi golpeada sem antes ocorrer muitas tentativas de reverter a situação, organizadas principalmente por meio das lutas construídas pelas mulheres.
Por se tratar da primeira presidenta do Brasil, havia muito mais do que um partido no poder: era a síntese da representatividade, uma mulher no mais alto cargo político da nação. Permitiram uma apropriação progressiva dos códigos específicos da militância política, a militância em movimentos que recorrem à ocupação do espaço público como modo de ação.
A primavera secundarista veio para dar fôlego às lutas populares e, principalmente, para o movimento estudantil que atravessava um delicado momento de descredibilidade junto às pautas políticas de interesse social e popular.
Com jovens mulheres corajosas à frente da maioria das ocupações, podemos afirmar que aquele momento foi um recorte importantíssimo para os passos no presente e no futuro da esquerda no Brasil.
A importância da organização do movimento estudantil vem de seu perfil embasado não apenas em ações, mas por também estar em consonância com as contribuições teóricas que ajudam a entender a sociedade e o nosso lugar no mundo.
Não à toa, o PT, a partir de suas secretarias e setoriais, fortalece o movimento estudantil secundarista e universitário, potencializando o surgimento de centenas de novos quadros para ocupação das trincheiras de lutas que o novo momento nos impõe. A disciplina, organização e acúmulo teórico gerado dentro do movimento estudantil é a melhor forma de disputarmos para construir um país mais humano e justo.
Sempre presentes e ativas, as jovens mulheres representaram a maioria do eleitorado de Fernando Haddad (PT) no primeiro e no segundo turno em 2018, tendo destaque em iniciativas importantes como o #EleNão, as companheiras foram decisivas para a condução da eleição ao segundo turno.
As mulheres negras, como principais vítimas da política de morte adotada pelo atual governo federal, constróem iniciativas que garantem sua sobrevivência em coletividade e se reposicionam, aproveitando da ascensão de sua própria cultura enquanto empreendedoras afro.
Seja na confecção de roupas e acessórios ligados à cultura africana, seja no reforço da beleza dos cabelos crespos e cacheados oferecidos por salões especializados ou na produção de conteúdo cultural (audiovisual e de expressão corporal), as mulheres negras utilizam o espaço que o modelo capitalista destinou a elas durante séculos — o da informalidade — para se reafirmarem e propagarem a importância histórica, a força e a beleza da população negra.
Pensando em produção de conteúdo cultural, insurge gêneros como o passinho e o retorno do funk, destacando-se dentre as músicas mais tocadas. Ao nos defrontarmos com o funk, nos colocamos diante de um gênero musical com especificidades que vão muito além do ritmo, letra e composição. Por meio dele, revelam-se conteúdos sociopolíticos visibilizando vozes que se expandem e representações que explicitam-se politicamente. Nesse sentido, o Funk revela personalidades que rompem as barreiras do gueto.
Embora até pareça animador tudo que foi colocado até aqui, em meio a tanto caos, ainda há o grande desafio na capacitação de cada vez mais mulheres por meio de cursos de tecnologias de base, em especial as tecnologias de informação e comunicação — para que a produção construída seja divulgada da maneira correta impulsionando iniciativas importantes a disputarem o mercado da forma como ele nos interliga obrigatória e globalmente. A disputa da criatividade contra os recursos financeiros pode ser desigual, mas conhecendo as funcionalidades dos meios digitais e das ferramentas tecnológicas acessíveis, podemos construir uma disputa menos perniciosa.
O Brasil é um país com múltiplas riquezas ao mesmo tempo que produz profundas desigualdades. A ausência de educação sexual nas escolas, associada a práticas nocivas, como os casamentos prematuros, nos levam a índices que ultrapassam a média latino-americana de gestações entre jovens de 15 a 19 anos, segundo a OMS. Embora tenhamos reduzido muito esse indicativo desde o início dos anos 2000 até 2015, dentro dos governos do PT, esse ainda é um assunto que o Brasil precisa enfrentar com seriedade para poder avançar enquanto nação.
A discussão sobre o ensino sexual nas escolas precisa ser reconsiderada dentro do currículo escolar para que cada vez menos adolescentes interrompam os seus desejos e sonhos. Esse debate deve estar transversalizado com discussões como o acesso à educação pública e de qualidade, a organização social e política da mulher e direito ao corpo.
Precisamos pensar a sociedade brasileira por uma perspectiva auto sustentável, conseguindo enxergar a vida a longo prazo, em que sejam respeitadas as águas, a terra e o ar, englobando todos os seres e povos que nelas habitam e delas necessitam. É necessária a construção de iniciativas para erradicação da fome, tais como projetos de agricultura sustentável (hortas urbanas e reforma agrária), espaços que ampliem a igualdade de gênero, energia limpa e acessível, acesso à saúde e educação pública de qualidade e universal (que pode ser iniciada com a revogação da PEC 241/55).
É preciso repensar a atual política de guerra às drogas que vem causando um verdadeiro colapso na segurança pública e atuando como potencializador da higienização étnica que querem consolidar no país, devemos construir iniciativas de economia solidária, potencializando o consumo e a produção com responsabilidade.
São muitos os desafios colocados, mas há muitos apontamentos que precisam ser observados com cautela. É do povo que vem as respostas para a maior parte de nossas inquietações e eles já estão irradiando suas necessidades e preocupações, devemos ouvi-los para que, juntos e juntas, tenhamos um país onde haja orgulho em dizer: É uma construção nossa! O povo está de volta ao poder.